sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Poema do Beco

Que importa a paisagem, a Glória, a baía, a linha do horizonte?— O que eu vejo é o beco.


Manuel Bandeira.

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

É obra da Clarice Lispector.

Tenho um apetite voraz e os delírios mais loucos.
Você pode até me empurrar de um penhasco
que eu vou dizer: - E daí? Eu adoro voar.

sexta-feira, 23 de maio de 2008

Fernando Pessoa

A criança que fui chora na estrada, deixei-a ali quando vim ver quem sou. Mas, hoje, vendo que o que sou é nada, quero ir buscar quem fui onde ficou.


Parece incrível ainda estar vivo...

... quando já não se acredita em mais nada. Olhar, quando já não se acredita no que se vê. E não sentir dor nem medo porque atingiram seu limite. E não ter nada além deste amplo vazio que poderei preencher como quiser ou deixá-lo assim, sozinho em si mesmo, completo, total. Até a próxima morte, que qualquer nascimento pressagia.

Caio Fernando Abreu

Franz Kafka, carta a Oscar Pollak, 1904

Acho que só devemos ler a espécie de livros que nos ferem e trespassam. Se o livro que estamos lendo não nos acorda com uma pancada na cabeça, por que o estamos lendo? Porque nos faz felizes, como você escreve? Bom Deus, seríamos felizes precisamente se não tivéssemos livros e a espécie de livros que nos torna felizes é a espécie de livros que escreveríamos se a isso fôssemos obrigados. Mas nós precisamos de livros que nos afetam como um desastre, que nos magoam profundamente, como a morte de alguém a quem amávamos mais do que a nós mesmos, como ser banido para uma floresta longe de todos. Um livro tem que ser como um machado para quebrar o mar de gelo que há dentro de nós. É nisso que eu creio.


quinta-feira, 10 de abril de 2008

Poema matemático

Me somo
E fico um.

Me multiplico
E permaneço um.

Me divido
E continuo um.

Me diminuo
E resto um.

Me escrevo
E sou nenhum.


(Lindolf Bell)

terça-feira, 18 de março de 2008

4° motivo da rosa

Não te aflijas com a pétala que voa:
também é ser, deixar de ser assim.

Rosas verá, só de cinzas franzidas,
mortas, intactas pelo teu jardim.

Eu deixo aroma até nos meus espinhos
ao longe, o vento vai falando de mim.

E por perder-me é que vão me lembrando,
por desfolhar-me é que não tenho fim.


(Cecília Meireles)

terça-feira, 4 de março de 2008

Trechos de "Os sofrimentos do jovem Werther"

- Toda a atração e sensibilidade pela natureza viva - que alimentava e aquecia meu coração, transformando o mundo à minha volta num paraíso cuja força benigna me perspassava por inteiro - tornaram-se agora para mim um tormento insuportável, que me persegue por toda parte.


- Do mesmo modo como a natureza declara agora o outono, também dentro e em volta de mim o outono se manifesta. As minhas folhas amarelecem, e as folhas das árvores vizinhas já caíram.



(Goethe)







terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Se eu morrer antes de você, faça-me um favor. Chore o quanto quiser, mas não brigue com Deus por Ele haver me levado. Se não quiser chorar, não chore. Se não conseguir chorar, não se preocupe. Se tiver vontade de rir, ria. Se alguns amigos contarem algum fato a meu respeito, ouça e acrescente sua versão. Se me elogiarem demais, corrija o exagero. Se me criticarem demais, defenda-me. Se me quiserem fazer um santo, só porque morri, mostre que eu tinha um pouco de santo, mas estava longe de ser o santo que me pintam. Se me quiserem fazer um demônio, mostre que eu talvez tivesse um pouco de demônio, mas que a vida inteira eu tentei ser bom e amigo. Se falarem mais de mim do que de Jesus Cristo, chame a atenção deles. Se sentir saudade e quiser falar comigo, fale com Jesus e eu ouvirei. Espero estar com Ele o suficiente para continuar sendo útil a você, lá onde estiver. E se tiver vontade de escrever alguma coisa sobre mim, diga apenas uma frase: "Foi meu amigo, acreditou em mim e me quis mais perto de Deus!" Aí, então derrame uma lágrima. Eu não estarei presente para enxugá-la, mas não faz mal. Outros amigos farão isso no meu lugar. E, vendo-me bem substituído, irei cuidar de minha nova tarefa no céu. Mas, de vez em quando, dê uma espiadinha na direção de Deus. Você não me verá, mas eu ficaria muito feliz vendo você olhar para Ele. E, quando chegar a sua vez de ir para o Pai, aí, sem nenhum véu a separar a gente, vamos viver, em Deus, a amizade que aqui nos preparou para Ele. Você acredita nessas coisas? Sim? Então ore para que nós dois vivamos como quem sabe que vai morrer um dia, e que morramos como quem soube viver direito. Amizade só faz sentido se traz o céu para mais perto da gente, e se inaugura aqui mesmo o seu começo. Eu não vou estranhar o céu. Porque ser seu amigo já é um pedaço dele!


(Vinicius de Morais)

“O que é verossímil ou inverossímil? O poeta vê um mundo de coisas belas no trivial; o pintor retrata o céu numa poça de lama; o cientista vê um universo numa célula; o músico transfere para a pauta, sons inaudíveis aos sentidos comuns. É ainda tão pequena a parcela explorada do mundo sensorial!”

Trecho de "Esaú e Jacó"

Há muito remédio contra a insônia. O mais vulgar é contar de um até mil, dois mil, três mil ou mais, se a insônia não ceder logo. É remédio que ainda não fez dormir ninguém, ao que parece, mas não importa. Até agora, todas as aplicações eficazes contra a física vão de par com a noção de que a tísica é incurável. Convém que os homens afirmem o que não sabem, e, por ofício, o contrário do que sabem; assim se forma esta outra incurável, a Esperança.

(Machado de Assis)

Trecho de "Tempestade de almas"

Abro bem os olhos, e não adianta: apenas vejo. Mas o segredo, este não vejo nem sinto. A eletrola está quebrada e não viver com musica é trair a condição humana que é cercada de música. O futuro é meu enquanto eu viver. O futuro da tecnologia ameaça destruir tudo que é humano no homem, mas a tecnologia não atinge a loucura; e nela então o humano do homem se refugia.

(Clarice Lispector)

Trecho de "Cinco minutos"

Oh! não posso pintar-lhe, minha prima, a expressão profundamente triste, a angústia deque ela repassou aquela frase de despedida :

"Non ti scordar di me. Addio!..."


(Jósé de Alencar)

Onde você vê

Onde você vê um obstáculo, alguém vê o término da viagem e o outro vê uma chance de crescer. Onde você vê um motivo pra se irritar, alguém vê a tragédia total e o outro vê uma prova para sua paciência. Onde você vê a morte, alguém vê o fim e o outro vê o começo de uma nova etapa. Onde você vê a fortuna, alguém vê a riqueza material e o outro pode encontrar por trás de tudo, a dor e a miséria total. Onde você vê a teimosia, alguém vê a ignorância, um outro compreende as limitações do companheiro, percebendo que cada qual caminha em seu próprio passo. E que é inútil querer apressar o passo do outro, a não ser que ele deseje isso. Cada qual vê o que quer, pode ou consegue enxergar. "Porque eu sou do tamanho do que vejo. E não do tamanho da minha altura."

(Fernando Pessoa)

A serenata

Uma noite de lua pálida e gerânios
ele viria com boca e mãos incríveis
tocar flauta no jardim.
Estou no começo do meu desespero
e só vejo dois caminhos:
ou viro doida ou santa.
Eu que rejeito e exprobro
o que não for natural como sangue e veias
descubro que estou chorando todo dia,
os cabelos entristecidos,
a pele assaltada de indecisão.
Quando ele vier, porque é certo que vem,
de que modo vou chegar ao balcão sem juventude?
A lua, os gerânios e ele serão os mesmos
— só a mulher entre as coisas envelhece.
De que modo vou abrir a janela, se não for doida?
Como a fecharei, se não for santa?


(Adélia Prado)

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Trecho de "Esaú e Jacó"


Ambos naturalmente sentiram a separação próxima. A dor os fez amigos por instantes; é uma das vantagens dessa grande e nobre sensação. Já me não lembra quem afirmava, ao contrário, que um ódio comum é o que mais liga duas pessoas. Creio que sim, mas não descreio do meu postulado, por esta razão que uma coisa não tolhe a outra, e ambas podem ser verdadeiras.

(Machado de Assis)

Por quê?



Por que nascemos para amar, se vamos morrer?
Por que morrer, se amamos?
Por que falta sentido
ao sentido de viver, amar, morrer?

(Drummond)

Tornar-se alemão

A alma alemã tem corredores e veredas em si, no seu interior existem cavernas, esconsos e masmorras; sua desordem tem muito do encanto do mistério; o alemão conhece os caminhos tortuosos para o caos. E como toda coisa ama seu símile, o alemão ama as nuvens e tudo o que é turvo, cambiante, crepuscular úmido e velado: todo tipo de coisa incerta, inacabada, evasiva, em crescimento, ele se sente como 'profundo'. O alemão mesmo não é, ele se torna, desenvolve-se.

(Nietzsche)

Atos e sentimentos



Somos donos de nossos atos,
mas não donos de nossos sentimentos;
Somos culpados pelo que fazemos,
mas não somos culpados pelo que sentimos;
Podemos prometer atos,
mas não podemos prometer sentimentos...
Atos são pássaros engaiolados,
sentimentos são pássaros em vôo.

(Mário Quintana)